Posso afirmar, orgulhosamente, que faço parte do clã dos tecladistas heróis dos anos 1970. Cheguei a tocar, simultaneamente, com nove teclados que não se comunicavam pois MIDI (Musical Instrument Digital Interface) ainda não existia. Meus setups eram espetaculares em termos de estética e de sonoridade mas, verdade seja dita, era um tanto complicado lidar com tantas teclas e botões contando apenas duas mãos.
Vendo meus vídeos mais antigos (final dos anos 1970 e início dos 1980) bate aquela saudade… Mas, ao mesmo tempo, sinto-me aliviado por não precisar mais dispender tanta energia física e mental. Na época, a performance do tecladista exigia, além de boa execução, muita desenvoltura nas trocas de sonoridades. Tudo era feito em tempo real. Para se alcançar sonoridades “robustas” era necessário usar cada mão em um teclado diferente. Para solar com um som diferente do acompanhamento, idem. Não existia Layer ou Split.
Já que os teclados possuíam apenas poucas variações de sons internos e não se comunicavam, era necessária uma verdadeira ginástica durante os shows. Havia uma certa tensão para que tudo desse certo. Eu costumava escrever (ainda no papel), todas as posições dos botões dos teclados para cada parte das músicas pois os equipamentos não possuíam bancos de memória. Assim, além de tocar, era obrigado a consultar os mapas de sons constantemente.
Em poucos anos a Sequencial Circuits, a Oberhein, a Roland e a Yamaha começaram a produzir teclados com memória interna e com a possibilidade de comunicação, embora somente entre equipamentos do mesmo fabricante. Ainda não era MIDI. Os protocolos que possibilitavam as comunicações eram proprietários de cada empresa. Prontamente comprei um Remote Prophet para poder tocar o Prophet V a partir de um teclado portátil (tipo guitarra). Era inacreditável! Quando eu mudava o som do Prophet V a partir dos botões do Remote Prophet, achavam que era mágica. Cheguei a usar teclados sem MIDI até em 1985, no primeiro Rock in Rio, mesmo já tendo um Yamaha DX9 e um Roland JX-8P com MIDI. Estes dois teclados foram lançados logo após o advento de MIDI, em 1983.
Mas eu queria conectar os teclados vintage analógicos e os recentes equipamentos digitais sem MIDI aos que já trabalhavam com MIDI. Pesquisei e fui à luta: consegui achar em Nova York diversos conversores de CV (Control Voltage) e Trig (disparo de nota) para MIDI da empresa JL Cooper. Isto possibilitou a comunicação do ProphetV, do Oberhein OB-XA, do Mini Moog e do Moog Liberation com os teclados MIDI e com o computador Apple II (o primeiro computador pessoal a fazer uso de placa MIDI e de software para sequenciamento). Com este equipamento que agregava instrumentos analógicos e digitais, passei a fazer shows do tipo One Man Band tocando ao vivo nos teclados enquanto o Apple II executava as bases pré-sequenciadas.
Estamos falando da década de 1980: época dourada, de explosão da criatividade, da musicalidade e do bom gosto. Tudo regado a raio laser, fumaça, roupas espaciais futuristas, cabelos compridos mas arrumados, iluminação quente (LED nem sonhando), Kraftwerk, Jean Michel Jarre, Duran Duran, Tomita, e por aí vai…
Sem dúvida, o protocolo MIDI, lançado na NAM em 1983, revolucionou a forma de se criar e fazer música. Esta tecnologia criada, a princípio, simplesmente, para possibilitar a comunicação entre dois teclados, tornou-se o alicerce das produções musicais eletrônicas das três últimas décadas. Este protocolo de comunicação é que permitiu e alavancou a criação dos instrumentos virtuais, mixagem automatizada, armazenamento de patches dos teclados, amoldagem de efeitos virtuais, sound design, acoplamento de máquinas digitais com analógicas, etc.
Por isso, quando você estiver em seu estúdio digital criando bases, testando arranjos, combinando patches, bolando novos grooves de bateria eletrônica e mixando automaticamente, agradeça e cante o “Parabéns” para a Musical Instrument Digital Interface.
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